Onde Lâminas de Barbear e Tomadas de 3 pinos se encontram (Obsolescência Programada)

Cézar Antonio de Sousa
4 min readAug 26, 2021

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Era uma vez, um pai atencioso que resolveu presentear seu filho adolescente com um aparelho de barbear, mantendo um ritual familiar iniciado pelo seu avô.

Ao abrir o seu baú de recordações e verificar que as lâminas do aparelho estão gastas, o sujeito vai ao mercado comprar um kit novo e constata que a tradição geracional será muito mais complicada de ser mantida.

O design das lâminas foi alterado e elas não se encaixam mais no aparelho antigo. Apesar dele ainda fazer a mesma função para a qual foi criado.

Horror em Cabul

Escrevo este artigo em Agosto de 2021, momento em que os Estados Unidos se preparam para retirar suas tropas do Afeganistão.

As imagens de pessoas tentando desesperadamente sair do País, agarradas na fuselagem de um avião, reativaram em mim uma antiga reflexão: como conveniência de alguns upgrades tecnológicos pode ser nefasta e nociva em alguns contextos.

Feira Comercial no Afeganistão

Pra contextualizar o tema, é importante voltarmos um pouco pra trás e observar que ao longo dos últimos 40 anos, assistimos a aposentadoria de diversas empresas, segmentos e produtos de sucesso.

Algumas razões para isso:

  • Evolução da Tecnologia (Kodak e Blockbuster…)
  • Evoluções sociais e geracionais (Orkut, Msn Messenger…)
  • Evolução do Segmentos (Agências de viagens, Hotelaria e Jornais Impressos…)
  • Lobby e influências políticas (Tomadas de 3 Pinos, Extintor ABC…)

Nos casos onde a forma de usufruir o produto foi alterada, há uma justificativa plausível para a sua aposentadoria. Porém, em alguns casos os produtos são retirados de linha apenas por caprichos comerciais, como no exemplo hipotético das lâminas de barbear citado acima.

Carvão para fazer energia elétrica. E abastecer robôs-aspiradores

Li uma vez em algum artigo, que a não-padronização de carregadores de celulares indiretamente gerava fome em alguns países da África. Confesso que na época achei a correlação um pouco absurda, mas entendo o ponto de vista do autor.

M-Pesa

Um celular básico, durável e barato como o saudoso Nokia 1100 é usado como um cartão de crédito na Zâmbia. Graças a uma engenhosa ideia de transferência de fundos utilizando mensagens SMS trabalhadores rurais e pessoas em locais onde a existência de um sistema bancário é praticamente impossível, puderam ter um pouco mais de dignidade e serem inseridas ao mundo abstrato da economia digital.

Esses trabalhadores ganharam autonomia e se tornaram independentes do dinheiro físico.

Porém, caso um cidadão desses perca ou tenha algum tipo de problema com o carregador do seu celular, ele vai transformar o aparelho numa peça tecnológica sem serventia alguma.

Porque possivelmente um novo aparelho não estará disponível e os carregadores de celulares mais modernos irão ter um layout diferente.

Entre picapes e Rifles

Infelizmente, a obsolescência nociva que acontece com celulares e que dificulta o seu reaproveitamento, não existe quando o produto em si é uma arma de fogo.

Os mesmo lancadores de granada ARG’s e Rifles AK-47 que aparecem nos filmes Rambo 3, A Besta da Guerra e O Caçador de Pipas e que foram herdados da invasão Soviética dos anos 80 estão sendo utilizados até hoje pelos guerrilheiros do Taleban.

Não sou um conhecedor de armas, mas lendo um pouco a respeito percebi que há 2 fatores essenciais para um rifle de assalto fabricado nos anos 40 e um velho lançador de granadas ainda serem armas tão poderosas até hoje.

  • Modularidade: se caso uma peça dessas estraga, você pode consertá-la reutilizando peças retiradas de outra.
  • O material que abastece essas armas (balas e granadas) aparentemente manteve o mesmo layout ao longo dos ultimos 60 anos.

Desta forma, fica possível observar que a não-atualização tecnológica é conveniente pra guerra, mas atrasa a inclusão digital de trabalhadores rurais.

Várias relíquias, uma delas infelizmente ainda continua funcional.

Conclusão

Num mundo de Poliana, onde o Ganha-Ganha não seja Utopia, os líderes mundiais se reuniriam pra fazer um Upgrade do AK-47 e padronizar os carregadores de celular do mundo todo.

Resultado:

  • Menos dispositivos eletrônicos descartados na natureza.
  • Um ícone Bélico sendo renovado em Força Militares sérias.
  • Alguns Terroristas Tribais sendo enfraquecidos pela inutilidade de suas armas.

Mas aí é só assistir o Século do Eu e O Senhor das Armas para saber que isso é impossível de acontecer. E a constatação que nos resta é de que a Obsolescência Programada é uma paradoxal faca de dois gumes:

  • Sua ausência dá poder a terroristas que impõem até o tamanho da barba da População de um país.
  • Sua existência impede um pai de reutilizar um barbeador pra presentear seu filho.

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